top of page

O Projeto

Este projeto de investigação pretende estudar o fenómeno portuário do Sado como hub da romanização (BLOT, 2003), numa perspetiva que integre não só a navegação e as fontes literárias como também a economia, o comércio, a arquitetura e o desenvolvimento do urbanismo destas cidades marítimas no hinterland Atlântico.

Um dos principais objetivos deste estudo será o de estabelecer por fim a diacronia da ocupação romana imperial e tardo-antiga do complexo portuário, e perceber as linhas de continuidade, transição e mudança. O faseamento do Sado permitirá confrontar o arranque da produção de salgas com o da produção anfórica, que terá acompanhado a mesma evolução, numa lógica mercantil de oferta e de procura. O arranque destas produções tem sido recentemente admitido no reinado de Tibério (PINTO, MAGALHÃES & BRUM, 2011), recuando as anteriores propostas de período claudiano ou até flaviano (ÉTIENNE; MAKAROUN & MAYET, 1994), mas não tem em evidência os materiais de período augustano (MORAIS & BERNARDES, 2011), com preexistências em Alcácer do Sal (SOUSA et al., 2008), e mesmo na produção anfórica (SOARES & TAVARES DA SILVA, 2018: 19).

A transição do século II para o III d.C., com uma fase de abandono, aparentemente generalizado e uma “crise” sentida aliás por todo o Império, implicou certamente alterações socioeconómicas que urge matizar. O esclarecimento destas questões é determinante para perceber as oscilações de poder entre Alcácer do Sal e Setúbal, e ajudarão a compreender a relação de Troia com estas urbes.

Não obstante o carácter desigual da informação, novos estudos permitem também avançar com a caracterização da conjuntura vivida no Sado nos últimos momentos da ocupação romana, que pode estender-se até aos séculos VI-VII, como revelam as cerâmicas importadas, e também aqui, não coincide com o abandono das principais atividades produtivas desta região a partir do segundo quartel do século V (MAGALHÃES, 2012; TAVARES DA SILVA & COELHO-SOARES, 2014 e 2016; VIEGAS, 2014 e 2016; SOARES & TAVARES DA SILVA, 2018; MAGALHÃES, PINTO & BRUM, 2020).

À valorização dos portos do Sado, Alcácer do Sal, Setúbal e Troia, que funcionariam como penúltimo ponto de navegação do mar Oceano (MANTAS, 2010), e dos núcleos por si dependentes, acresce a necessidade de realizar uma pesquisa aprofundada para compreender o contexto global do Complexo Industrial Romano de Salga e Conserva de Peixe de Troia, com a sua comparação com bens de natureza similar, tendo em vista a preparação da candidatura a Património Mundial da UNESCO.

A candidatura do Complexo Industrial Romano de Salga e Conserva de Peixe de Troia a Património Mundial terá impacto no território envolvente e sublinha a necessidade de um estudo detalhado do seu contexto, constituindo requisito obrigatório para a classificação deste bem de características excecionais na UNESCO.

A investigação holística que se pretende levar a cabo tem em vista a interpretação da cultura portuária romana no Sado, fundamentada no objetivo 11 da Agenda 2030 das Nações Unidas (11.4 e 11.b), de forma a realizar uma reflexão estratégica que potencie a sua valorização e garanta a preservação de um património comum que, em alguns casos, se encontra em risco de destruição irremediável.

Bibliografia:

BLOT, Maria Luísa (2003) – Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e flúvio marítimas em Portugal. Trabalhos de Arqueologia, nº 28. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia.

ÉTIENNE, Robert; MAKAROUN, Yasmine & MAYET, Françoise (1994) – Un grand complexe industriel à Tróia (Portugal). Paris: Éditions E. de Boccard.

MAGALHÃES, Ana Patrícia (2012) – Late sigillata from fish-salting workshop 1 in Tróia (Portugal). Rei Cretariae Romane Fautorum Acta 42. Bonn, p. 363-372.

MAGALHÃES, Ana Patrícia; PINTO, Inês Vaz & BRUM, Patrícia (2020) – Late Roman imported pottery in the southwest of Lusitania: the case of Tróia (Portugal). In DUGGAN, Maria; TURNER, Sam; JACKSON, Mark (eds.) - Ceramics and Atlantic Connections: Late Roman and Early Medieval Imported Pottery on The Atlantic Seaboard (International Symposium, Newcastle University, 26-27 Março 2014). Roman and Late Antique Mediterranean Pottery 15. Oxford: Archaeopress Publishing Ltd, p. 135-150.

MANTAS, Vasco (2010) - Atlântico e Mediterrâneo nos portos romanos do Sado. Revista Portuguesa de História, t. XLI. Coimbra: Instituto de História Económica e Social, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, p. 195-221.

MORAIS, Rui & BERNARDES, João Pedro (2011) – Cornelius L. F. Bocchus e a economia da Lusitania. In CARDOSO, João Luís & ALMAGRO-GORBEA, Martín (eds.) - Lucius Cornelius Bocchus. Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura Latina (Colóquio Internacional dedicado a Lucius Cornelius Bochus, Tróia, 6-8 de Outubro de 2010), Lisboa – Madrid: Academia Portuguesa da História / Real Academia de la Historia, p. 123-131.

PINTO, Inês Vaz; MAGALHÃES, Ana Patrícia & BRUM, Patrícia (2011) - O complexo industrial de Tróia desde os tempos dos Cornelii Bocchi. In CARDOSO, João Luís; ALMAGRO-GORBEA, Martín (eds.) - Lucius Cornelius Bocchus. Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura Latina (Colóquio Internacional dedicado a Lucius Cornelius Bochus, Tróia, 6-8 de Outubro de 2010), Lisboa – Madrid: Academia Portuguesa da História / Real Academia de la Historia, p. 133-167.

TAVARES DA SILVA, Carlos; COELHO-SOARES, Antónia (2014) – Preexistências de Setúbal. A ocupação romana da Travessa de João Galo, nºs 4-4-B. Setúbal Arqueológica, vol. 15, p. 305-338.

SOARES, Joaquina; TAVARES DA SILVA, Carlos (2018) - Introdução. Caetobriga: uma cidade fabril e polinucleada na foz do Sado. In TAVARES DA SILVA, Carlos (coord.) – Caetobriga. O sítio arqueológico da Casa dos Mosaicos (Setúbal Arqueológica, Vol. 17, 2018), Setúbal, p. 11-42.

SOUSA, Élvio Melim de; SEPÚLVEDA, Eurico; FARIA, João Carlos & FERREIRA, Marisol (2008) – Cerâmicas romanas do lado ocidental do castelo de Alcácer do Sal, 6: conclusões. Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 11, nº 1, p. 149-161.

Viegas, Catarina (2014) – Terra sigillata imports in Salacia (Alcácer do Sal – Portugal). Rei Cretariae Romanae Fautorum Acta 43. Bonn, pp. 755-764.

VIEGAS, Catarina (2016) – O sítio romano da Comenda: novos dados sobre a campanha de 1977. SOUSA, Ana Catarina; CARVALHO, António & VIEGAS, Catarina (eds.) – Terra e Água. Escolher sementes, invocar a Deusa. Estudos em homenagem a Victor S. Gonçalves, Estudos & memórias (UNIARQ), Lisboa, p. 439-465.

bottom of page